Chip Novo
Janaína Caetana
Orientação de Mariana Souza
Ossy vem se destacando na cena artística de Recife com trabalhos que compartilham e expressam sua vivência enquanto pessoa não-binária, como tatuagens, obras e esculturas, usando de estratégias que interceptam o tecnológico e o reprogramável com o que temos
de mais humano possível: o corpo, a pele, o ser. Em seu filme Futuro Ciborgue vemos essa combinação acontecer em uma jornada performance desenvolvida dentro de uma narrativa futurista e esperançosa, de alguém que em tempos onde o fogo já não é mais real e sim digital, sobe em uma bicicleta parada vestindo um capacete de moto e consegue ver ali em
seu horizonte inventado, um futuro melhor para si. Além da trilha sonora marcada pelas obras da grande artista Arca, o filme traz elementos de linguagem corporal ornados por uma maquiagem, luz e edição preocupados em discutir questões de gênero e representar a não
binaridade.
Assistindo ao filme pela primeira vez em uma televisão, tive a percepção de que a forma caseira e a escolha de ângulos do filme pudesse filtrar a adesão de um público mais acostumado com filmes narrativos, abraçando a liberdade de expressão presentes em vídeo arte e que dessa forma abriria mão de ampliar o debate às demais esferas. Já assistindo o
filme no cinema com direito a sessão debate, senti o oposto, pude achar o filme muito mais bonito e sentir-me bem próxima da realidade apresentada, seja por conta da proporção e qualidade da imagem e do som, do conforto da sala, ou principalmente graças a coletividade proporcionada pelo momento compartilhado com dezenas de cabeças pensantes ali, inclusive a presença de Ossy.
A abertura do filme tem uma proposta interessante ao mostrar imagens da televisão da senadora Damares Alves, pastora evangélica popularmente conhecida por defender a binaridade com frases como “menino veste azul e menina veste rosa”, abrindo assim o olhar para um corpo que nasce político ao resistir e contrariar esses ideais, sem mistérios. Futuro
Ciborgue é um filme que fala muito, através de signos e representações digitais. E fala sério, com suas referências, formas e expressões. Tudo isso sem dizer uma palavra. Ao mesmo tempo em que é um bom filme de contemplação estética, ele tem potencial para levantar debates bem importantes.