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Benzedeira: Uma pesquisa arqueológica para o futuro

 

 

 

 

Lucas Menezes

Orientação de Mariana Souza 

Tendo referência a própria Sessão 3 – Arqueologia íntima, da Mostra Absurda ao qual o filme faz parte, vejo possibilidades de articulações muito produtivas entre as obras. Cada filme acaba funcionando como um mecanismo de busca em que a exposição se faz necessária para a comunicação e elaboração dessa intimidade. Pensando dessa forma, acho que faz bastante sentido entender Benzedeira nos seus processos de feitura, como uma pesquisa arqueológica, pesquisa esta que se constrói a partir das fotos de família, dos conhecimentos que são transmitidos por Maria José sobre sua história familiar, além da experiência de estar no mundo que é mediada por um corpo que segundo o que o próprio realizador nos diz no filme, é um corpo muitas vezes visto com estranhamento por pessoas não indígenas, ao estar ocupando o presente.

O filme, acompanha o processo criativo do designer e fotógrafo Kadu Xukuru, no qual a partir de referências estéticas do futurismo indígena, constrói uma colagem tendo sua avó e seu irmão como personagens, em reverência à sua ancestralidade, homenageando a sua bisavó paterna que foi benzedeira.

 Nesse processo podemos identificar alguns elementos de linguagem bem característicos de um formato mais engessado que se propõe a representar um processo artístico. Inicialmente vemos Kadu se apresentandofrontalmente para a câmera e explicando o propósito do filme, em outro temos uma trilha sonora que acompanha o seu processo de pré-produção, aconfecção do figurino, o ato de dirigir e fotografar os personagens etc. Apesar de apontar essas escolhas do filme, os aspectos formais não serão o foco do texto, mas os pontos que tocam e dizem respeito à elaboração de si e reverencia aos que vieram antes.

As fotografias de família não nos são apresentadas como um conhecimento já pronto, mas algo ainda a ser elaborado. Vamos acompanhando o processo tateante de Kadu em sua jornada íntima, que ele até erra ao nomear a criança que aparece na foto da sua bisavó, mas depois sua avó o corrige dizendo que na verdade, ele é a criança da foto. Nesse sentido é como se o espectador fosse apresentado às histórias contadas por Maria José simultaneamente ao Kadu, em que os conhecimentos não são apresentados de forma apenas expositiva, mas acompanha o processo de pesquisa arqueológica do realizador, entrando em contato com suas memórias familiares. 

Maria José também apresenta outros familiares e evoca alguns momentos do passado a partir das fotografias, à exemplo da sua infância no engenho, do seu falecido irmão que gostava de Reginaldo Rossi, e até as Cabras Lala e Lalinha. São memórias que podem parecer triviais, mas que carregam afeto e constroem bases de pertencimento familiar, dando possibilidades a estas resistirem por gerações. 

As noções de passado, presente e futuro estão presentes e se articulam em todo o filme. Kadu ao falar do futurismo indígena, o expõe como uma expressão que pega o corpo indígena que muitas vezes é remetido ao passado e o joga no futuro, e isso tem um impacto, ao romper com a visão folclórica que os não indígenas têm sobre esses corpos. Me chama atenção que a estrutura do filme segue um caminho parecido. Ao se projetare projetar os seus familiaresno futuro a partir da sua arte, Kadu também olha para o passado e tenta compreender o que o constitui e os caminhos que foram trilhados pelos que vieram antes, possibilitando a sua existência no presente.

Ao entrarmos em contato com a produção da colagem, percebemos que tudo é referenciado pelo que há de mais íntimo, e um processo que é apresentado na sua tecnicidade no final do filme em que Kadu está trabalhando no Photoshop, também envolve afetos aos quais apenas a técnica não dá conta dessa comunicação. Vejo o filme muito bem sucedido ao documentar essa produção comunicando vivênciasque não são tão acessíveis apenas ao observar o produto final, mas ao mesmo tempo elas não deixam de estar ali presentes.

Elaborar o passado é um ponto de partida para projetar o futuro, e fazer um filme apontando a câmera para si e para os que vieram antes, é construir uma árvore genealógica,conhecimento este que é negado a maior parte das famílias racializadas, e para além disso é solidificar as bases para os seus que viverão no futuro. Apontar a câmera para si é reivindicar o direito de narrar a própria história. 

São as histórias familiares, são os adereços étnicos, é a corporeidade de quem vive o presente, é o que o constitui, mas que também passa pelo passado no engenho, pelas feridas do colonialismo que atravessam essa história.Isso tudo constitui uma subjetividade que olha para si, olha para os seus e olha para o futuro.

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