Corpo sobre tela
Indiara Launa
Orientação de Mariana Souza
Do verbo fez-se carne. Da imagem re-fez-se corpo. Parece ser essa reconfiguração de enunciados que Ossy Nascimento pretende ao, posicionade frente às câmeras, explorar temas como identidade, gênero, performance e futurismo. Durante 8 minutos, o público é seu cúmplice na criação de um movimento frenético de imagens que tensionam uma
atmosfera distópica, iniciada pela fala da fundamentalista religiosa e ex-Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, sobre ‘menino vestir azul’ e ‘menina vestir rosa’ em um cenário de ataque a direitos LGBQIAP+ e políticas anti-gênero.
A trilha sonora eletrônica, composta pela DJ venezuelana Arca, contribui com essa atmosfera de conflito e também possibilita mutações à medida que Ossy usa de uma auto ironia afiada ao jogar com as referências e signos de uma hiper feminilidade e masculinidade estereotipadas sobre o seu corpo. Os recursos de captura de imagem e edição de vídeo também adicionam densidade à essa composição, já que é no amadorismo de um filme gravado pelo celular e nos efeitos cibernéticos que parecem importados de programas de computação digital do começo dos anos 2000, se sobrepondo na tela em uma montagem de luz e som marcante, que presenciamos a precariedade, a falha, a fratura e o deboche
emergir como estética dissidente.
Nesse jogo de imagens, Ossy assume a autoficção como ferramenta que dá contornos e dialoga diretamente com sua identidade de gênero e seus processos subjetivos enquanto uma pessoa não-binária transmasculina, o que por si só adiciona um plano tátil importante na cumplicidade que ele trama com o público. Mas não é somente na intimidade que o filme
tem sua riqueza, afinal, não é uma narrativa confessional ou mesmo a descoberta da essência de um personagem a ser revelada, camada por camada, que vemos na tela. Não, não há essências ou qualquer purificação. Antes, há um convite e uma provocação sobre os sentidos de distopia e utopia, fim do mundo e futurismo: que mundos devem ruir e que futuros podemos inventar frente a distopia fundamentalista-capitalista-colonial?
Sem pretensão de dar respostas ou grandes revelações, Ossy deixa uma pista na cena que encerra o curta, brincando com os signos de um thriller de ação: no subsolo de um prédio, sentado sobre uma bicicleta, capacete posicionado na cabeça e mirada firme enquanto luzes coloridas se alternam em sua frente. Com esse convite lançado, Futuro Ciborgue é um filme que encontra o corpo como enunciado e a dissidência como espaço de potência para pensar re-existências. A carne, o verbo, o corpo e a imagem, re-criando-se e inventando outros futuros.