Um país de apagamentos pode ser representativo?
Juan DIego
Orientação de Mariana Souza
Para mim, assistir a Diario de confesiones íntimas y oficiales, da cineasta Marilina Giménez, foi como relembrar de memórias que tive na infância ou quando adolescente, mesmo vindo de uma geração totalmente diferente da diretora. Diario de confesiones, é uma obra documental de arquivos, onde pode-se observar questões sobre identidade de gênero, sexualidade, amor, geopolítica e os impactos da colonização, tudo numa atmosfera Argentina.
Marilina aborda esses temas através de arquivos midiáticos do final dos anos 80 ao começo dos anos 00, num contexto onde em países hispanohablantes havia se iniciado um boom de trazer pessoas LGBTQIA+ para as televisões, como um certo meio de entretenimento, ou até mesmo como uma maneira de garantir “inclusão” para essas pessoas. Aqui, posso citar os casos da brasileira Roberta Close e da espanhola La Veneno (Cristina Ortiz), duas mulheres e modelos transgêneros, as quais foram presentes nesse mundo midiático do jornalismo representativo, mulheres que com frequência eram chamadas para dar reportagens ou entrevistas para as mais famosas redes de canais de suas épocas mesmo sendo de países totalmente diferentes, elas tinham uma conexão, por serem duas mulheres Lgbts, vivendo
num mundo, que na época delas parecia ser mais difícil de se viver em comparação aos tempos contemporâneos (ainda é). Considero ambas como mães.
Nas décadas de 80 e 90 o mundo estava passando pelo surgimento do HIV, o qual acarretou no aumento do preconceito da sociedade sob esses grupos, como na cena do cantor da banda Erasure, o qual se torna uma vítima de ataques homofóbicos. Erasure foi uma dupla pop formada por Andy Bell portador do da HIV e seu parceiro, Vince Clark, ambos assumidamente homens gays. Já na década de 80 a dupla acabou sendo conhecida por
“banda gay” o que acabou sendo para eles uma fonte de preconceito, mesmo assim, eles não desistiram e continuaram resistindo. Em uma cena do filme, eles estão fazendo um show na Argentina e Andy sofre por ataques enquanto fazia sua performance, logo após isso, ele volta mais forte, com um novo look e dizendo palavras de resistência, como “Si, soy puto!”, uma das palavras a qual ele acabou sendo chamado. Ele não se deixou apagar, Erasure foi resistência ao estrear nos anos 90 em um país como a Argentina.
Outro assunto abordado no filme foi a questão da inflação, a qual afeta o país até os tempos contemporâneos, impactando o coletivo social argentino, pois, a inflação no Estado, desencadeou no aumento das pessoas em situação de pobreza no país. O tema da inflação está também presente em questões sociais e geopolíticas latino-americanas, pois, desde o período colonial na Argentina, houve-se um apagamento dos povos originários no país, onde hoje não se chega nem a 1%. Ao assistir o filme de Marilina, eu notei que os próprios políticos deixavam claro que os povos originários, como pessoas racializadas no país, estavam afetando as questões econômicas argentinas, porém, este tema tratava apenas de uma desculpa para esconder a corrupção presente entre os políticos.
O quantitativo de pessoas negras e indígenas na Argentina, pessoas apagadas, apagadas pela má gestão governamental Argentina, assim como a cineasta deixa a entender com a tradução do nome da banda Erasure (Apagamento). Ao assistir o curta, é possível observar os políticos há 20 anos atrás prometendo e de fato, apagando essas minorias ao realizarem
invasões e mortes, assim como ocorreu na “Conquista do Deserto” série de companha militares com o principal objetivo de obter domínio territorial do Pampa e Patagônia Oriental, regiões às quais pertenciam aos povos indígenas. Por acreditarem que esses grupos, não favoreciam para a melhoria da economia do país houve-se um genocídio e hoje o Estado ainda passa por questões de controvérsias e hipocrisias, como em 2018, na morte do jovem mapuche Camilo Matrillanca, assassinado por disparos da polícia.
Por fim, Marilina traz em sua obra talvez de forma indireta o que para ela pode ser uma nação onde se há uma carência de representatividade e problemas de hiperinflação. Viemos de um período geracional relativamente diferente, mas podemos ter alguns gostos em comuns como na música e cinema. Marilina se mostrou como uma pessoa que vivenciou a Xuxa e a She-Ra durante os anos 90, mesmo não tendo nascido ainda nesse período, em
minha vivências como criança tive contatos com a She-Ra e a Xuxa e eu amava isso, logo após alguns anos, pude ver uma nova releitura da She-Ra onde se havia mais representatividade em relação a animação original dos anos 90. Enfim, podemos ver que os padrões de beleza impostos pelo seu país, e como foram suas experiências e memórias midiáticas e românticas, ao assistir televisão e estar passando She-Ra, apesar de ser uma inspiração para muitas crianças daquele tempo, hoje é possível salientar que a personagem
era uma mulher branca e loira, assim como a Xuxa, também em ascensão naquela época, isso é o padrão de beleza argentino.
Isto é o sonho argentino de viver.
Um país de apagamento pode ser representativo? Foi essa a pergunta a que tive ao assistir o Diario de confesiones íntimas y personales de Marilina Giménez. A resposta é: Sim. Quando um Estado, como a Argentina, aprender a reconhecer e valorizar a sua cultura, suas origens e sua diversidade, será real um possível sonho de viver argentino, uma resposta é respondida.